Por Nanci Hass da Cruz*
Neste artigo te convido a fazer as pazes com o seu maior inimigo. Falarei sobre um dos conceitos mais importantes desenvolvidos por Carl Gustav Jung dentro da Psicologia Analítica.
Ela é composta pelo que ficou reprimido
ou recalcado; também é composta de qualidades, instintos, reações que são
apropriadas, além de percepções realistas e criatividade. Essas qualidades que
podiam pertencer à personalidade são temidas ou são sentidas como se fossem
erradas. É a parte psíquica que negamos em nós mesmos e que projetamos nos
outros. E que Jung chamou de Sombra.
Olharmos para nossa própria Sombra seria
como olhar nossas próprias costas, ou seja, você não a enxerga. Enxergamos a
nossa sombra nos outros, neste fenômeno que chamamos de “projeção”, quando
coloco no outro aquilo que é meu, mas não aceito. Tudo aquilo que negamos e
guardamos dentro de nós, mas não sabemos disso. A projeção no outro faz com que
o projetor enxergue no outro o que, na verdade, é sombrio nele mesmo.
A
projeção acontece porque o contato com o lado sombrio da personalidade é para a
consciência um contato com um ”eu
inferior”, e isso é chocante. Por isso, há resistência da consciência em
reconhecer a sombra como sendo parte de sua psique.
Os conteúdos psíquicos dos quais não
temos consciência aparecem de forma projetada como se realmente estivessem em
conteúdos externos. A projeção acontece de forma inconsciente e não
intencional. O inconsciente não faz isso de forma aleatória, mas escolhe um
objeto que possa conter alguma ou muitas das características daquele que
projeta. Jung fala de um ‘gancho”, objeto no qual a pessoa que faz a projeção a
“pendura” como se fosse um casaco.
Excessos de amor e de ódio por algo ou
alguém podem conter boas doses de projeção. A intensidade emocional em
discussões acirradas dá boas pistas para percebermos a entrada em ação no palco
dos desafetos dessa personagem espinhosa e nem sempre bem-vinda: a “sombra
projetada”.
A Sombra é parte integrante da nossa
natureza e nunca pode ser simplesmente eliminada. Uma pessoa sem sombra não é
um indivíduo completo. Sendo assim, conhecer a Sombra é essencial para que ela
não seja projetada nos outros.
Para alcançarmos a maturidade
psicológica e avançarmos em direção à individuação, teremos em algum momento
que entrar em contato com nossa Sombra. A retirada lenta e gradual das
projeções é uma etapa crucial do processo analítico, mas conhecer a Sombra e
conhecer o que está oculto em nós é um grande passo em direção a uma vida mais
realizada.
Marie-Louise von Franz falava: “Quanto
mais a pessoa se conhece e, por conseguinte, menos faz projeções sobre os
outros, mais pode se relacionar consigo mesma e com as outras pessoas de
maneira mais objetiva, genuína e sem ilusões. …Todo o progresso realizado na
compreensão mútua e na melhora das relações entre as pessoas depende da
retirada das projeções”.
Um dos objetivos da Arteterapia é a
integração da personalidade: integrar o que parece inferior e que foi ficando
de lado, excluído de nossa vida, para que possamos ampliar nossa experiência e
assumir a responsabilidade por isso.
O ser humano sempre temeu sua própria
sombra, pois nela pressente a presença de tudo que, na verdade, desejaria
esquecer ou fingir que nunca existiu. Mas sem a conscientização da natureza
sombria não há processo de individuação que se sustente.
Neste sentido, o indivíduo terá,
invariavelmente, a companhia da Sombra em sua viagem evolutiva rumo à
individuação. E terá que derrotar sem cessar seus medos e tudo o mais que o
impeça de trazer à esfera da consciência o que está na periferia da psique,
partindo constantemente da percepção de sua natureza sombria. A Arteterapia
pode contribuir muito para isso, muitas vezes constituindo o primeiro passo no
processo de admissão da presença deste atributo negativo, que pode, igualmente,
se revelar positivo ao conferir intensidade à criatividade, à inspiração e a
todas as emoções que envolvem o processo da criação.
A Arteterapia se utiliza das projeções
feitas nas produções artísticas do paciente, onde o inconsciente se revela nos
aspectos simbólicos da arte. Sua validade como instrumento de expressão e de
projeção da personalidade do indivíduo é comprovada por várias pesquisas e
estudos.
Em toda a sua obra, Jung enfatizou a
importância dos símbolos, e um dos modos pelos quais os símbolos se expressam é
através da arte, pois possui uma linguagem que vem direto do inconsciente do
indivíduo – e a possibilidade de uma interação de diversas áreas e aspectos
manifestos ou reprimidos, da psique da pessoa.
Com as produções artísticas, terapeuta e
paciente trazem a reflexão, que é um movimento psíquico contrário ao da
projeção (fora). Significa um voltar-se para dentro, um dobrar-se em si mesmo.
A pessoa não mais simplesmente
descarrega suas energias para o lado externo da vida. As reações instintivas e
as compulsões cedem lugar a mais liberdade. Não é o mesmo que reprimir a
Sombra, mas aceitá-la, dar-lhe um outro significado através de um novo olhar.
Se não reconhecermos a nossa Sombra, certamente não seremos capazes de
transformá-la. Sim, é uma árdua tarefa!
Como nos diz Jung, para ter a copa livre
no céu claro, temos de ter raízes profundamente agarradas à escuridão da terra.
“Mas o que acontecerá se descubro, porventura, que o menor, o mais
miserável de todos, o mais pobre dos mendigos, o mais insolente dos meus
caluniadores, o meu inimigo, reside dentro de mim, sou eu mesmo, e precisa da
esmola da minha bondade, e que eu mesmo sou o inimigo que é necessário
amar?” (Carl Gustav Jung)
Através do autoconhecimento no decorrer
do processo arteterapêutico vai se integrando a Sombra. Esse aspecto sombrio e
desconhecido da personalidade. Com isso, a pessoa vai diminuindo as projeções no
outro e trazendo esses conteúdos antes projetados para si mesma – diminuindo
conflitos exteriores onde projetava o ódio, diminuindo paixões doentias onde
projetava o amor. Podendo perceber a si mesma sem culpabilizar as pessoas com
quem convive. A retirada das projeções com o reconhecimento da própria Sombra é
o processo desafiador da Arteterapia rumo às pazes consigo mesmo de forma
criativa.
“As pessoas, quando educadas para
enxergarem claramente o lado sombrio de sua própria natureza, aprendem ao mesmo
tempo a compreender e amar seus semelhantes.” (Carl
Gustav Jung)
https://www.fazeraqui.com.br/faca-as-pazes-com-o-seu-maior-inimigo/
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