Por THEODIANO BASTOS
ANNA LEMBKE, de ‘Nação Dopamina’: “A internet é uma droga”
A respeitada psiquiatra americana diz que as redes agravaram o drama social do vício — e faz um alerta sobre a liberação da maconha
A psiquiatra americana Anna Lembke, de 55 anos, é uma das mais respeitadas especialistas em dependência química da atualidade. Professora da Universidade Stanford e chefe de uma clínica da instituição voltada para o estudo do tema, ela se tornou popular ao falar de vícios e transtornos de saúde mental de forma simples, acessível e esclarecedora.
Nesta entrevista a VEJA, Lembke fala sobre os perigos das chamadas “drogas digitais” (com as redes sociais à frente), os receios quanto à liberalização da maconha e dos psicodélicos — e as implicações sociais de viver em um mundo que estimula a busca por prazeres artificiais.
Em Nação Dopamina, a senhora aborda os vícios de maneira abrangente. Qual a ideia fundamental que norteia sua análise?
Qualquer pessoa pode desenvolver um vício. Na era moderna, é fácil perceber esse problema, porque sabemos muito bem que os celulares, a internet e as mídias digitais são drogas potentes. Elas ativam os mesmos circuitos que as drogas mais tradicionais, como o álcool. Isso significa que liberam dopamina — nosso neurotransmissor de prazer — no sistema de recompensa do cérebro. Quanto mais dopamina liberada, mais viciante é a experiência.
Por que ainda há enorme estigma sobre o vício?
As sociedades estigmatizam certas condutas para impedir que as pessoas se envolvam em discussões comportamentais. Quanto à adição, o estigma se tornou tão extremo que culpamos e marginalizamos um segmento cada vez maior da sociedade, quando deveríamos atribuir isso ao mundo que temos criado, onde quase tudo pode se tornar uma droga. Tudo é mais acessível, mais abundante. Em vez de ver a dependência como um problema de força de vontade ou caráter, devemos pensar como uma enfermidade que resulta da incompatibilidade entre nosso maquinário neurológico ancestral e o mundo de hoje. É um problema de saúde pública. “Não vejo como algo irracional conceituar um smartphone como semelhante a um maço de cigarros, em termos de potencial viciante.
“Todas as escolas primárias deveriam abolir os celulares”
Quem são as pessoas mais vulneráveis às drogas digitais?
A maioria de nós consegue perceber que estamos em um vórtex e se autocorrigir, mas de 10% a 15% da população acabará com dependências potencialmente prejudiciais a essas tecnologias, e necessitará de intervenção profissional. Ainda não temos certeza de quais são os fatores de risco preexistentes, mas é possível que sejam alguns dos mesmos que se aplicam às drogas tradicionais, como ter um pai ou avô biológicos que lidam com o vício. Outros fatores são a pobreza e o desemprego.
Nosso apego às redes sociais pode estar ligado ao aumento de doenças mentais?
Nos últimos vinte anos, vimos um número crescente de pessoas lutando contra a ansiedade, a depressão e, especialmente nas Américas, aumento nas taxas de suicídio...
Quais as consequências a longo prazo desse tipo de dependência?
Já estamos vendo as consequências, com taxas recordes de jovens com depressão, ansiedade, automutilação, desatenção, sensação de perda de significado e propósito, e até transtornos de personalidade. A boa notícia é que muitos estão percebendo que o tempo que passam no mundo virtual está, na verdade, piorando suas vidas, e estão gradualmente se desconectando.
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