UM VOTO E O JULGAMENTO DA HISTÓRIA
(já
encaminhado ao gabinete da Ministra)
Excelentíssima
Senhora Ministra CARMEN LÚCIA
Atônito,
como milhões de brasileiros, manifesto-lhe respeitosamente surpresa e
indignação com sua inusitada mudança de voto no emblemático julgamento da 2a.
Turma do STF, no dia de ontem, 23/03/2021, destinado a ter repercussões
históricas e sociais gravíssimas.
Não
o faço, senhora Ministra, por viés ideológico, partidário ou pessoal, que não
os posso ter como advogado, ex-juiz, ex-presidente de tribunal e com 47 anos de
atividade profissional no Direito. A surpresa e o choque seriam os mesmos,
qualquer que fosse o réu.
Bem
sei que o magistrado pode reconsiderar o voto até o momento em que ainda não
proclamado o resultado do julgamento. Mas jamais sem que nenhum - repito e
enfatizo! - absolutamente NENHUM "fato novo" tenha vindo ao processo,
lícito, legal e constitucional, no intervalo entre o seu primeiro voto e o de
ontem!
É
justo conceder-lhe o "benefício da dúvida", de que agiu com respeito
às suas mais sagradas convicções – somando-se a dois outros votos, dentre
cinco, para verem o que não viram nem o juiz de 1o, grau, nem os três
desembargadores do TRF da 4a. Região, nem os Ministros do STJ, nem o Ministério
Público em seus três graus.
Mas
o seu voto, Senhora Ministra, vai muito além da dúvida sobre suposto e sagrado
direito constitucional do réu, que até o momento só foi vislumbrado como
violado por três, dentre onze Ministros da Corte Suprema.
Extrapola
o julgamento isolado. Espraia-se pelo país como inequívoco sinal de premiação à
impunidade. Promove o desalento entre nosso sofrido povo, que voltará a
acreditar que, cedo ou tarde, o Excelso STF faz tábula rasa de detalhada
instrução processual e se apega a derradeiros pedúnculos e a contorcionismos de
linguagem, desprezando a inteligência e a imparcialidade de todos os
magistrados que antes trabalham no feito, em três instâncias inferiores.
Aterrador
que o voto decisivo de uma só penada absolva por via indireta um réu já
condenado em três graus de jurisdição e por mais da metade da opinião pública
do país e condena e execra o mais corajoso, intrépido, célere, preparado e leal
juiz que, ao risco da própria integridade física, foi um sopro de alento para
215 milhões de brasileiros, acostumados e conformados com a impunidade dos
poderosos, herança e cultura malditas que nos acompanham há 521 anos.
O
seu voto, e mais do que ele, a circunstância da reconsideração tardia, sem
argumentos técnicos sólidos e convincentes, restabelece a desesperança de todo
um povo e fortalece os pregoeiros da ditadura, mediante atos delinquentes que
pregam até intervenção em nosso sagrado STF. Talvez tenha sido, também, ainda
que inconsciente, a martelada que faltava no último prego do caixão da mais
importante operação de combate e desestímulo à corrupção em nosso querido país
– talvez no mundo.
Um
dia, a Senhora Ministra haverá de se aposentar por ato próprio ou disposição
constitucional. Quando, e se, retornar à seu berço natal, em Montes Claros-MG,
terá de conviver com o julgamento inexorável da História. Nele infelizmente
entrará apequenada, pois o que ficará na memória não será a defesa de um
direito individual, por mais relevante, mas sim de ter-se vergado à verborragia
de diatribes e achincalhes de um seu Par, este sim, claramente “suspeito”, por
infatigável guerra contra um homem de bem, íntegro e digno cujo único crime foi
ter sido JUIZ na maior acepção da palavra, ter cumprido sua missão e ter
trabalhado por um Brasil melhor.
Então,
poderá voltar os olhos para as consequências danosas de seu voto para o Brasil
e a própria ordem jurídica e também para as montanhas do Serro, a pouco mais de
300 quilômetros. E haverá de se lembrar da grandeza de seu conterrâneo PEDRO
LESSA, ali nascido, tido como o maior dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal. Talvez porque foi súdito dos autos e da Justiça e sempre viu o
juiz como “vivificador da norma e construtor das soluções.” E, como pregava ele
em histórico voto no STF, no HC 2793, “... é ocioso indagar se pelo
habeas corpus se podem resolver questões políticas. Nem políticas, nem
civis...”
Felicidades,
e que os Céus apaziguem seu coração e mente, quando cedo ou tarde se der conta
da enormidade do erro ontem cometido, e de suas danosas consequências para a
Justiça e o Brasil!
Ricardo
Sampaio - OAB-PR 25.788
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