Por Mateus Bandeira
O mundo vai crescer menos em 2020, não há dúvida. O
que devemos nos perguntar, nestes tempos em que o vírus do pânico, da
desinformação e da obstrução do debate se alastra, é o que nos assusta mais. As
perdas humanas pelo coronavírus, que vai durar algumas semanas, ou as mortes,
quebradeiras e desempregados pela recessão, que podem durar anos?
Mateus Bandeira foi CEO da Falconi, presidente do
Banrisul, secretário de Planejamento do RS e candidato ao governo gaúcho
Se exercermos duas qualidades que considero
intrínsecas ao ser humano, a honestidade e racionalidade, ajudaremos a
responder uma das perguntas cruciais nestes tempos de coronavírus. O que
causará mais mortes e mais prejuízos: o vírus ou a iminente crise econômica?
Da resposta rápida dependerão as decisões que
governantes em todo o mundo têm que tomar nos próximos dias. Para encontrá-la,
fundamental buscarmos sem medo as informações que, ao contrário do novo
coronavírus, não estão circulando.
O vírus fala mandarim
Sem receio do patrulhamento, comecemos pela origem. O
vírus não é italiano, não é brasileiro. O vírus é chinês, como tem repetido o
presidente dos EUA, Donald Trump, apesar da patrulha do politicamente correto.
Assim como a crise econômica de 2008 nasceu nos EUA,
a partir da bolha imobiliária, o coronavírus, até que se prove o contrário,
originou-se na China. Esta não é questão de somenos importância.
Ora, assim como compreenderemos melhor a estrutura da
matéria a partir da física quântica, na busca incessante da ciência para chegar
à partícula mínima, precisamos saber a origem do microinimigo. "Se não
descobrirmos o que falhou na China podemos enfrentar outra pandemia desastrosa
no futuro", ponderou Mike Pompeo, secretário de Estado dos EUA.
A crise de 2008, a partir da quebra do Lehman
Brothers, foi exaustivamente estudada, pois suas consequências ultrapassaram, e
muito, as fronteiras norte-americanas. Igualmente o vírus chinês merece análise
de igual ou maior amplitude. Saber a origem das coisas é um princípio elementar
da ciência.
Comprou por quê? Por que comprou?
A falta de informação e do uso da lógica para
administrar os dados disponíveis, aliás, provocou uma nova crise. Parece que
não é permitido questionar, apenas repetir o mantra: fique em casa.
Poucos gestos exemplificam melhor a irracionalidade
instalada do que a compra para estocagem doméstica de papel higiênico. Não
estamos nos tempos do cólera, então por que estocar o produto? Perguntadas, as
pessoas não sabem responder.
Ou seja, vivemos momentos de pânico. Pânico, de acordo
com o Aurélio, é o "que assusta sem motivo". Portanto, péssimo
conselheiro. A desinformação e a obstrução aos questionamentos legítimos
alimentam esta irracionalidade.
Se velhos e doentes são o alvo...
Vale a pena, então, rever o que se sabe neste
momento. A China, especialmente Wuhan, mostrou que o vírus não é invencível.
A Coreia do Sul e o Japão demonstraram que é possível
evitar a escalada geométrica do contágio. E a Itália, até aqui recordista de fatalidades,
o que nos ensina?
Busquemos os dados oficiais do Ministério da Saúde
italiano de 17 de março último. Primeiro, as mortes se concentraram na
Lombardia (71,1% do total no País), que demorou a adotar as medidas
preventivas, apesar do alerta vindo da China e do rigoroso inverno europeu
sugerirem precaução.
Na Itália, a idade média dos mortos pela covid-19 foi
de 79,5 anos (homens) e 83,7 anos (mulheres). Apenas 30% das vítimas eram
mulheres.
Em média, as vítimas já tinham 2,7 outras
enfermidades graves, como câncer, diabetes ou doenças cardíacas. Até esta data
(última terça), somente 5 mortos tinham menos de 40 anos, sendo que todos eram
homens e tinham doenças graves anteriores. Ninguém com menos 30 anos morreu.
Os dados disponíveis no Brasil e nos EUA indicam
quadro semelhante. O perfil da pessoa vulnerável é o de idosos e com doenças
graves - gente perfeitamente identificável.
... que tal cuidar dos velhinhos?
Sabe-se, também, que a covid-19 tem um pico e,
depois, uma queda. Quem bem explica isto é o médico e deputado federal Osmar
Terra.
Terra foi secretário de saúde do Rio Grande do Sul na
crise de outro vírus letal, o H1N1. Ele explica que a contaminação vai crescer
até atingir mais de metade da população, quando, então, as mortes começarão a
decrescer.
"A epidemia vai diminuir quando a maioria
estiver contaminada", explica ele. Por este processo natural, Terra não vê
necessidade do isolamento.
Segundo ele, fechar o comércio, suspender aulas e
proibir o transporte público não resolve, apenas assusta as pessoas. Mais
efetivo seria cuidar das pessoas vulneráveis.
Entre as medidas mais eficientes, ele cita focar nos
asilos, isolar os idosos (separando-os temporariamente dos netos e filhos) e
ampliar o número de leitos em hospitais. Para os demais, a receita é adotar com
rigor máximo as normas de higiene.
Se ele fez, eu faço
Por que, então, os governantes estão adotando medidas
drásticas? Voltamos ao componente mais perverso desta crise, qual seja, a
irracionalidade, por mais bem-intencionados que sejam.
Pelo ineditismo da situação, a tendência das
autoridades públicas é adotar as ações de maior amplitude ao seu alcance. À
medida que um as adotou, os demais fazem o mesmo, com receio de parecer
lenientes. Assim é a política.
Os governantes estão agindo como se todos os lugares
do mundo fossem Wuhan, o epicentro da crise, ou a Lombardia, um caso
particular. É como se as infecções pelo ebola, que atingiram regiões
específicas na África, levassem o mundo todo a adotar as mesmas medidas
restritivas.
Lembram da aids, até hoje sem cura? Não há
necessidade que todos abandonem a vida sexual, uma das maneiras mais seguras de
evitar o vírus.
Basta identificar os grupos de risco e adotar as
medidas de prevenção. O Brasil, como se sabe, foi exemplo para o mundo no combate
à aids.
Há diferenças nestes dois exemplos, mas o princípio é
o mesmo.
O coronavírus da economia
Agora, no momento em que o pânico já está instalado,
o que fazer? Tentar voltar à razão e não ter medo de questionamentos.
Como, por exemplo, o levantado pelo Wall Street
Journal na última quinta, 19. Em editorial (Rethinking the Coronavirus
Shutdown), ele propõe repensar o colapso que pode advir da paralisação da
economia por conta do coronavírus.
O prestigiado periódico prevê um "tsunami que
vai destruir a economia e provocar a perda de milhões de empregos, já que o
comércio e o setor produtivo simplesmente pararam".
Nada muito diferente do que se vislumbra aqui no
Brasil. "Não existe dinheiro suficiente para compensar perdas desta
proporção que estamos vendo caso esta paralisação continue por mais
semanas", alerta o WSJ.
O jornal acrescenta que os EUA, que já despenderam U$
1 trilhão, se preparam para gastar outro U$ 1 trilhão. Somente na semana
passada, 2,25 milhões de norte-americanos perderam os empregos.
Objetivamente. O desemprego no Brasil vai aumentar e
pequenas e microempresas vão fechar. Se os EUA, a maior economia do planeta,
terá dificuldades para evitar a recessão, o que dizer do Brasil, cujo PIB vem
se arrastando desde 2014?
Na recessão, o câncer mata mais
Bem, mas o importante agora é salvar vidas, rebatem
de boa-fé pessoas enclausuradas no medo e na desinformação. Sem dúvida, é papel
do Estado salvar vidas.
Mas todas as vidas. As das vítimas do coronavírus e
das vítimas da recessão econômica. Ou, pior, da depressão que vem aí, nada
invisível.
Mas como saber quantos vão morrer no futuro?
Novamente, dados.
A respeitada revista The Lancet publicou estudo, em 2016,
com base em dados de mais de 75 países, com população total de mais de 2
bilhões de pessoas. No período da recessão de 2008-2010, o estudo estima que
260 mil pessoas morreram a mais de câncer, apenas nos países da OCDE.
Ou seja, a recessão mata. E não estamos falando da
fome, do desalento, do aumento da criminalidade, das falências, de mais uma
década perdida.
Não, leitor, não se trata de escolher entre uma e
outra tragédia. Mas de colocar os pés no chão, analisar os dados com
serenidade, mas presteza, e minimizar os danos que certamente virão.
Assim como os médicos apontam as mortes por
coronavírus como inevitáveis, os óbitos por conta da recessão econômica também
são reais - sem falar em tragédias pessoais e famílias destruídas. Se a
paralisação imposta pelos governos não for cautelosamente dosada, a recuperação
econômica pode durar anos, pois 2020 já está perdido.
E quem não pode ficar em casa...
Portanto, não se fala aqui de teorias da conspiração.
Muito menos de desprezar o inimigo invisível. Eu e minha família queremos
continuar vivos, por isto ampliamos os cuidados com a higiene.
Mas o que dizer dos trabalhadores informais, que
ocupam uma grossa fatia de nossa economia? E os 11,6 milhões de desempregados,
número que certamente aumentará?
E os milhões de microempreendedores que vão assistir
seu negócio esfarelar-se, depois de anos de labuta e investimento? E o setor do
turismo (hotéis, companhias aéreas etc.), que irá minguar?
Assim como o funcionalismo estável e privilegiado, a
maioria dos leitores talvez não tenha dificuldade de sobreviver por um ou dois
meses confinados em suas residências. Mas boa parte dos brasileiros arrecada de
manhã para comer à tarde.
Para pobres e miseráveis, o sofrimento não cessará
com a queda das mortes pelo coronavírus. Ao contrário, vai se agravar.
Do lado estatal, a arrecadação terá queda brusca,
afetando, entre outras áreas, a saúde pública. Como o Estado, que estava
tentando se recuperar a duras penas, vai reagir a este nocaute?
Sim, o mundo vai acabar um dia, mas não precisamos
antecipar o fim.
No Rio Grande, no começo do inverno, tempo de mortes
em consequência do frio inclemente, se diz, com humor, que, caso os mais velhos
cheguem até agosto, ganham mais um ano de vida. Se, quando agosto de 2020
chegar, continuarmos nesta toada irracional, talvez estejamos apenas no começo
de um longo, depressivo e mortífero inverno econômico.
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